O que podemos aprender com três personagens com deficiência nas novelas

#DescriçãoDaImagem: Na foto estão três retângulos, com três jovens atrizes, ambas brancas. A primeira está de óculos e com um sorriso tímido; A segunda está sorrindo e tem cabelo longo; Já a terceira está séria e tem cabelos curtos na altura das orelhas e está com vestido azul. Fim da descrição / Fotos: Divulgação.

A busca por representatividade é uma das pautas mais faladas aqui, pois acreditamos e defendemos que pessoas com deficiência podem e devem ocupar e serem representadas em qualquer espaço.

No entanto, não basta estar lá, é preciso que a presença seja ativa, ou seja, que elas realmente contribuam de forma que possam ser agentes da inclusão no meio onde estão. Há algum tempo a inclusão virou “moda” na televisão, pois novelas, séries, filmes e os demais programas estão abrindo espaço para que pessoas com deficiência estejam presentes.

Porém, (como tudo no início), a representação ainda é caricata, recheada de superproteção e infantilização, e se isso não for corrigido, em breve estaremos excluindo ao invés de incluir.

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Naturalmente nesse processo de inclusão midiática, a televisão tem papel primordial, pois está presente em mais de 96,8% dos lares brasileiros. E, além disso, ela traz a imagem, fator importante para a prisão da atenção e pouco esforço cerebral.

A telenovela Malhação, ou mesmo oficina de atores da Rede Globo tem trazido temas de abrangência social no âmbito jovem, tem tentado incluir as diferentes “minorias” (escrevo minorias entre aspas, pois não considero a maior parte delas minorias, pois quando unidas elas poderiam ser uma maioria).

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Se a proposta é incluir, é óbvio que estarão ali pessoas com deficiência, e chama atenção o fato de já temos vencido o estágio “cadeirante”. Explico, há alguns anos apenas pessoas em cadeira de rodas representavam pessoas com deficiência, mas hoje o cenário mudou e já é, possível encontrar pessoas com Autismo, pessoas Surdas, entre outras.

Na Malhação existem dois exemplos recentes que servem para essa breve análise, em 2017, surgiu a Benê (Daphne Bozaski), uma menina super inteligente, mas que tinha dificuldades de relacionamento com amigos e família além de apresentar uma sensibilidade auditiva. Em resumo, Benê representou a Síndrome de Asperger, um tipo leve de Autismo.

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O que chama atenção aqui é o fato disso não ter entrado no roteiro, em nenhum momento (pelo menos quando assisti, me corrija se estiver errado), a Síndrome de Asperger foi explicada, e sim, era dito que Benê tinha “problemas”, “era diferente”. Além disso, fica claro o papel da mãe na trama figurando como uma “supermãe” que sempre estaria ao lado da filha, esse é o roteiro clássico da superproteção, e sabemos a liberdade e a independência são fundamentais para que a pessoa com deficiência possa ser incluída de fato na sociedade.

Também fica claro no decorrer da trama que as qualidades de Benê, são apresentadas e usadas como forma de compensação para a Síndrome de Asperger, pois mesmo tendo um “problema”, ela é muito boa nos estudos, ama correr e se apaixona pela música. E quando ela tem ações desinibidoras, ou seja, rompe um paradigma pré-estabelecido entra o clássico sentimento de superação.

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Nem mesmo quando ela começa namorar, a Síndrome de Asperger é revelada, já que o namorado segue o roteiro pré-estabelecido de que ela tem um “probleminha” ou é “diferente”.

Seguindo ainda na Malhação, nesta temporada temos a Milena (Giovana Rispoli), uma surda oralizada. No entanto, a atriz não é surda, e esse é o primeiro ponto, visto que para o papel poder-se-ia encontrar uma atriz surda, mas além disso, tem a questão da Libras e da oralização.

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A questão que mais explico para a família, amigos e pessoas que me acompanham por aqui, é a oralização, pois com acompanhamento fonoaudiólogo é possível que algumas pessoas surdas passem a ter a possibilidade de se expressar pela fala, e isso não foi explicado na trama. Além disso, a questão Libras é preponderante, primeiro porque não se fala da abrangência e da necessidade de aprender e ensinar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outro ponto interessante é que bastou a Milena chegar que todos ao seu redor aprenderam Libras num passe de mágica.

O terceiro caso, e o mais grave até aqui, é o apresentado na novela das 18h Éramos Seis. Justina (Julia Stockler) interpreta a filha da atriz Susana Vieira, e na trama ela vive uma jovem com Autismo, por questões de temporalidade é natural que haja certo desconhecimento sobre o Autismo da forma que conhecemos hoje.

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No entanto, várias vezes já vi tanto a mãe quanto outros personagens justificarem os atos de Justina como doença, além disso, há uma busca pela cura e um tratamento medicamentoso, sem falar da cena do manicômio, uma das mais fortes até agora, e que retrata um dos episódios mais triste da história no tratamento de transtornos emocionais. Justina mesmo sendo uma jovem na adolescência e caminhando para fase adulta, frequentemente, é tratada como criança na infantilização das falas dirigidas a ela. Também já esteve presente o mito do “castigo divino”, e que ela seria a cobrança dos pecados cometidos pela mãe.

Mas é preciso entender o motivo disso ser tão perigoso para a inclusão. No caso de Justina, a representação é caricata, pois trata como doença ou como uma simples loucura, a presença dos manicômios e de tentativas de cura ou mesmo a infantilização são maléficos para a busca da inclusão, claro que é preciso entender o contexto histórico da novela, mas mesmo assim algumas dessas questões poderiam ser evitadas.

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Nos casos da Malhação, Milena causa o questionamento a respeito da oralização e da Libras, mas também é possível pensar na possibilidade de se dar a oportunidade a uma atriz ou mesmo ator realmente surdo.

Já no caso de Benê a questão é parecida com a de Justina, mas sem a questão temporal, visto que a temporada da Malhação passou há pouco mais de dois anos. E ali perdeu-se a oportunidade de se falar do Autismo e suas diferentes formas, além de explicar as potencialidades de cada um.

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Talvez você que chegou até aqui pense “mas, só tem exemplo negativo?” Sim! Pelo seguinte, claro que já houveram exemplos positivos, mas basta um exemplo negativo para desconstruir anos e anos de trabalho e pesquisa para a inclusão, por isso, é preciso evidenciar essas questões e mostrar que essa representação caricata carregada de superação, emoção, infantilização é uma das formas mais fortes de exclusão da pessoa com deficiência.

Só vamos incluir de verdade quando entendermos as potencialidades e também a pessoa com deficiência, para isso, é fundamental combater essa representação rasa, caricata e carregada de coitadismos. É preciso combater o capacitismo midiático.

Publicado por Deficiência em Foco

Espaço destinado para informações, discussões e pesquisas sobre todos os tipos de deficiências.

3 comentários em “O que podemos aprender com três personagens com deficiência nas novelas

  1. Acho que cabe mencionar que a Júlia e a Daphne também não são autistas. Porque isso mostra que em nenhum dos casos selecionaram atrizes com deficiência pra interpretar o papel.

    E no caso da Benê, tem uma cena em que ela explica para o pai que tem Síndrome de Asperger. Não sei se aparece em outros pontos porque não assisti a novela, mas assisti essa cena.

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